Para melhor entendimento do relatório, sugerimos consultar o Glossário ao final da página, caso seja necessário.
A Cyrela é a segunda maior incorporadora do país, atuante em todas as frentes do ramo imobiliário, de forma independente ou através de parcerias. Apesar das consequências da pandemia da covid-19, a atual conjuntura econômica, de juros baixos e maior liquidez, permitiu que o setor atravessasse o exercício com desempenho acima do inicialmente. Esse contexto, aliado à sólida posição de caixa e à alavancagem controlada da empresa, fazem com que a Cyrela possua perspectivas positivas para 2021. Em 2020, a receita líquida acumulada foi de R$ 3,3 bilhões, crescimento de 10,6% frente ao apurado em 2019. A empresa possui covenants de alavancagem que preveem relação máxima Dívida líquida/EBITDA de 7x por dois trimestres consecutivos, e sua relação hoje é extremamente baixa (0,08x), configurando situação altamente confortável para a companhia.
Destaques positivos
- Baixa alavancagem e sólida geração de caixa.
- Diversificação de receitas, com operações nos segmentos de baixa, média e alta renda.
- Segunda maior incorporadora do Brasil.
Pontos de atenção
- Exposição à atividade econômica.
- Dependência da disponibilidade de linhas de crédito para o consumidor final.
Quem é a Cyrela?
História
A incorporadora Cyrela foi fundada em 1962 por Elie Horn, imigrante sírio que havia aterrissado no Brasil em 1955. Após ter trabalhado em outras construtoras com seus familiares e negociado imóveis por conta própria, Horn decide fundar sua empresa para comprar terrenos, projetar prédios residenciais e vender apartamentos.
Com o bom resultado do início, a Cyrela inicia suas atividades no segmento de imóveis empresariais. Até então, a construção e a venda dos projetos eram terceirizadas.
Em 1981, a Cyrela amplia seu escopo de atuação por meio da criação das subsidiárias Cyrela Construtora e Seller Consultoria Imobiliária e Representações, empresas que passaram a ser responsáveis pela construção e venda, respectivamente, de seus imóveis.
Na década de 1990, Horn criou a joint-venture Brazil Realty, em parceria coma principal incorporadora argentina, a Inversiones y Representaciones Sociedad Anónima (IRSA), com o objetivo de atuar no mercado de imóveis corporativos de alto padrão, segmento que costuma sofrer menos em momentos de crises. A empresa foi uma das primeiras a desenvolver fundos de investimento imobiliário no Brasil.
Como consequência da crise econômica argentina, a Cyrela compra a participação da IRSA na Brasil Realty em 2002, que passou a se dedicar, também, à incorporação residencial de alto padrão. Posteriormente, as empresas são fundidas, sendo agrupadas pela razão social Cyrela Brazil Realty S.A. Empreendimentos e Participações (CBR).
A Cyrela Brazil Realty abriu seu capital na Bolsa de Valores de São Paulo em novembro de 2005, que permitiu a expansão geográfica da empresa, passando a ampliar sua presença do estado de São Paulo para sete estados brasileiros.
Além da diversificação por região, a Cyrela também buscou atender novos segmentos de renda, com a abertura da subsidiária Living em 2006, focada em empreendimentos econômicos. A partir de 2014, a Living começou a lançar os empreendimentos de médio padrão da companhia.
Em 2007, foi criada a Cyrela Commercial Properties (CCP), para concentrar seus ativos relacionados a atividades de desenvolvimento e aquisição de edifícios corporativos, shopping centers e centros logísticos.
Após mais de 50 anos à frente da companhia, Elie Horn passa o cargo de CEO para seus filhos Efraim e Raphael Horn em 2014.
Em meados de 2017, a Cyrela criou a CashMe, fintech para facilitar o financiamento através do Home Equity, empréstimo com garantias imobiliárias.
Em agosto de 2018 é fundada a marca Vivaz, permitindo o início das parcerias do grupo com o Programa Minha Casa Minha Vida.
Em 2020, as joint-ventures Plano & Plano (PLPL3), Lavvi Empreendimentos (LAVV3) e Cury (CURY3), todas com participação relevante da empresa, realizaram ofertas iniciais de ações na B3
Fonte: XP Investimentos, Cyrela.
Atuação
A Cyrela atua em todas as frentes do ramo imobiliário: aquisição de terrenos, elaboração de projetos, construção, vendas, entrega e prestação de serviços, atividades realizadas de forma independente ou através de parcerias.
O grupo atende clientes distintos por meio de suas diferentes marcas: a Cyrela é responsável pelas divisões de alto padrão e luxo, as atividades direcionadas ao público de médio padrão são realizadas por meio de sua subsidiária Living, enquanto a Vivaz Residencial atende o perfil econômico.
Além disso, possui parcerias (joint-ventures) com outras incorporadoras, como Cury, Plano&Plano, Lavvi, SKR e Cyma para alavancar sua estratégia de expansão regional, seu crescimento em outros segmentos e maximizar a eficiência de construção.
Presença
A Cyrela está presente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, além do Distrito Federal.
O mapa abaixo apresenta a distribuição do banco de terrenos da empresa (landbank) referente ao fim do exercício de 2020.
Fonte: XP Investimentos, Cyrela.
Quem são seus acionistas?
A Cyrela possui ações ordinárias negociadas na B3, sob o código CYRE3, e ADRs (American Depositary Receipts) nível 1, no mercado de balcão em Nova York, sob o código CYRBY. A companhia é listada no segmento “Novo Mercado”, que concentra as empresas com mais alto nível de governança da bolsa.
Elie Horn (18,1%): participação referente à família do fundador do grupo.
Eirenor S/A (5,5%): sociedade de propriedade da Família Horn, constituída de acordo com as leis do Uruguai.
Blackrock, Inc (5,0%): maior gestora de ativos do mundo com US$ 7,8 trilhões sob gestão (3T20). É listada na bolsa de Nova York.
Outros (71,4%).
Principais fatores do crédito
Para melhor entendimento, esclarecemos que a nomenclatura “4T20” significa “quarto trimestre de 2020”. Suas variações também se aplicam (ex: 3T20 seria o terceiro trimestre de 2020).
Fonte: XP Investimentos, Cyrela.
Cenário atual
O distanciamento social e as restrições em diversas atividades em resposta à pandemia da covid-19 em 2020 trouxeram incertezas a todos os setores da economia. De fato, para a Cyrela o segundo trimestre apresentou queda acentuada nas vendas nos meses de abril e maio, registrando retomada a partir de junho.
Por outro lado, os patamares historicamente baixos de juros no país, a redução das taxas de financiamento imobiliário na ponta, a injeção de liquidez por parte das autoridades financeiras e monetárias e, por fim, a classificação da construção civil como atividade essencial (o que amorteceu as perspectivas de redução no ritmo das obras) permitiram que o setor atravessasse o exercício com desempenho acima do inicialmente esperado, enquanto o aumento na demanda por imóveis de média e alta renda foi um dos principais destaques do setor em 2020.
Para a Cyrela em específico, os IPOs de suas joint-ventures no 3T20 destravaram valor para a companhia. A Plano & Plano captou R$ 600 milhões em sua oferta; a Lavvi, R$ 1,2 bilhão; e a Cury, R$ 980 milhões.
A atual conjuntura econômica favorável para a construção civil no país, aliada à sólida posição de caixa e à alavancagem controlada da empresa, fazem com que a Cyrela possua perspectivas positivas para 2021.
Destaques operacionais
A companhia lançou 25 empreendimentos no 4T20, os quais, contando apenas com a participação da Cyrela e excluindo as permutas, totalizaram Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 2,5 bilhões. O montante foi 120% superior ao realizado no 4T19.
Como principais empreendimentos lançados, destacam-se o “Isla by Cyrela” (VGV de R$ 216 milhões), localizado em São Paulo, e “Mudrá Full Living” (R$ 161 milhões), localizado no Rio de Janeiro. Esses VGVs representam os imóveis como um todo, e não apenas a participação da incorporadora.
Enquanto isso, as vendas líquidas contratadas no trimestre totalizaram R$ 1,6 bilhão, expansão anual de 40%.
Já em 2020, o VGV dos lançamentos somou R$ 4,8 bilhões, expansão de 33% ante o acumulado em 2019. As vendas líquidas contratadas totalizaram R$ 4 bilhões, avanço de 7,7% no mesmo período.
Na mesma janela, o indicador Vendas Sobre Oferta (VSO; métrica aproximada de velocidade de vendas) atingiu 48,4%, abaixo do 51,5% apurado ano anterior.
Por fim, o estoque a valor de mercado ajustado pela participação da Cyrela atingiu R$ 4,9 bilhões ao fim de dezembro, crescimento de 25,5% quando comparado ao saldo do ano anterior.
Destaques financeiros
Receita e geração de caixa
A receita líquida da empresa alcançou R$ 1 bilhão no quarto trimestre de 2020, 12,9% acima do obtido no 4T19, explicado pelo reconhecimento de lançamentos e avanço no ritmo das obras comercializadas (devido ao método contábil de percentual de obra concluída).
A geração de caixa operacional no 4T20 foi de R$ 479 milhões. Após a distribuição de dividendos de R$ 699 milhões durante o trimestre, a empresa registrou queima de caixa de R$ 261 milhões.
Em 2020, a receita líquida acumulada foi de R$ 3,4 bilhões, crescimento de 10,5% frente ao apurado em 2019.
Endividamento e alavancagem
Ao fim de dezembro, a Cyrela registrou endividamento bruto (excluindo os financiamentos pelo Sistema Financeiro Habitacional) de R$ 2,5 bilhões, expansão de 16% em comparação com o apurado em dezembro de 2020.
Na frente de liquidez, o R$ 1,8 bilhão em disponibilidades apurado ao fim de dezembro é suficiente para o cumprimento do cronograma de amortização da dívida até 2023. Enquanto isso, a alavancagem medida pelo indicador Dívida Líquida / Patrimônio Líquido atingiu 5,1%.
A empresa possui covenants de alavancagem que preveem relação máxima Dívida líquida/EBITDA de 7x por dois trimestres consecutivos. Embora a Cyrela não publique o EBITDA em seus informativos de resultados, nossos cálculos apontam para uma relação extremamente baixa (0,08x) – configurando situação altamente confortável para a companhia.
Práticas ambientais, sociais e de governança (ESG)
A empresa não possui um relatório de sustentabilidade, o que limita a nossa análise e a dos investidores em relação tanto às iniciativas ESG quanto à divulgação de dados. Por outro lado, destacamos (i) o Instituto Cyrela, entidade sem fins lucrativos responsável por todas as ações de responsabilidade social da empresa; e (ii) a norma ISO 9001 em alguns de seus projetos e medidas para reduzir seu impacto no meio ambiente.
Para mais informações, consulte os conteúdos de análise ESG do setor de incorporadoras de alta renda no Brasil, assim como a visão geral sobre investimentos ESG.
Pontos de atenção
Exposição à atividade econômica
O desempenho do setor de construção civil possui elevada correlação com o cenário econômico do país. Como principais variáveis econômicas que impactam diretamente as operações da Cyrela, é possível citar: nível de emprego, taxas de juros, disponibilidade de crédito e o nível de confiança. O nível de confiança é um indicador importante porque o comprador precisa ter confiança que terá estabilidade no futuro para honrar o pagamento do financiamento imobiliário.
Em períodos de incertezas, além da desaceleração das vendas contratadas, as companhias também são impactadas pelos distratos, que representam o rompimento de um contrato de aquisição de imóvel. Antes da sanção da Lei 13.786/2018, conhecida como lei dos distratos, as empresas eram obrigadas pela justiça a pagar de volta ao comprador quase que a totalidade do montante pago em caso de rompimento de contratos. Mesmo com a vigência da lei, que prevê o pagamento de multas por parte do comprador, os distratos seguem impactando negativamente as operações das empresas do setor.
Pondera-se, entretanto, que a Cyrela é a segunda maior incorporadora do país e conta com gestão financeira conservadora, tendo passado com resiliência pelos últimos cenários econômicos adversos.
Dependência da disponibilidade de linhas de crédito para o consumidor final
Além da atividade econômica, o bom desempenho da Cyrela também depende do acesso ao financiamento imobiliário por potenciais compradores.
De fato, a forte queda nas taxas de juros nos últimos anos, aliada à novas regras de distratos, aumentou a disponibilidade de linhas de créditos imobiliários no mercado. Contudo, a retração da economia e da renda nos anos de 2014 e 2015 fez com que os bancos “fechassem a torneira do crédito”, prejudicando ainda mais a rentabilidade das incorporadoras no Brasil. Como o ciclo de incorporação imobiliário é relativamente longo, as construtoras não possuem flexibilidade para mudar seu planejamento em meio às mudanças no cenário econômico.
A falta de disponibilidade de recursos para a obtenção de financiamento por consumidores pode afastar a possibilidade de compradores em potencial financiarem suas aquisições. Caso essa conjuntura cause redução da demanda de imóveis da Cyrela, os resultados operacionais e o desempenho financeiro da empresa serão negativamente afetados. No entanto, não vislumbramos este risco no momento.
Glossário
Banco de Terrenos (ou landbank): é o estoque de terrenos que a empresa possui para construir e incorporar seus projetos. Sugere-se comparar o banco de terrenos com a estimativa de lançamentos para os próximos anos, medidos em VGV, para avaliar qual o período coberto pelo banco de terrenos para os futuros lançamentos sem a necessidade novas aquisições.
Casa Verde e Amarela (novo Minha Casa Minha Vida): é um Programa do Governo Federal que tem como objetivo ampliar o acesso da população à habitação em áreas urbanas, com renda mensal de até R$ 7.000,00 (sete mil reais). Através dele, os compradores têm acesso a condições especiais de financiamento, que podem contar com subsídios do governo. O nível varia de acordo com a seguinte segmentação, agrupadas por faixas de renda: Grupo 1, Grupo 2 e Grupo 3 – para o último, não são disponibilizados subsídios, mas são oferecidas taxas de juros abaixo das praticadas no mercado.
Distratos: cancelamentos de vendas. Entre a compra da unidade e a entrega das chaves, o comprador pode desistir da compra do imóvel. Isso prejudica os resultados das incorporadoras, uma vez que precisam assim devolver pagamentos já feitos e voltar a vender a unidade. Por isso é um dos principais indicadores desse setor.
Percentage of Completion (“PoC”): Método contábil em cujo custo incorrido é dividido pelo custo total da obra. A receita é reconhecida até o limite da relação “custo incorrido / custo total”. É utilizado pelas construtoras no Brasil para reconhecer sua receita e seus custos, porém torna difícil a comparação com empresas de outros setores, que não utilizam o PoC.
SFH (Sistema Financeiro de Habitação): principal programa de financiamento habitacional do Brasil. No balanço das empresas, se refere às dívidas contraídas com a Caixa Econômica Federal (intermediária), que são pagas com o fluxo de recebimento de caixa das vendas dos projetos.
Valor Geral de Vendas (VGV): corresponde ao valor a ser obtido com as vendas, de acordo com o preço estimado no lançamento. Um lançamento de um empreendimento de 100 unidades com VGV de R$ 10 milhões significa que a incorporadora estima vender as 100 unidades a R$100 mil cada uma.
Vendas contratadas: somatória dos valores das unidades vendidas que tenham contratos assinados.