A Jalles Machado é um grupo sucroenergético brasileiro, atuante na compra, cultivo, colheita e processamento de cana-de-açúcar. A empresa se destaca pela maior sofisticação das operações e, além de açúcar e etanol, produção de outros produtos de maior valor agregado. A safra 2020/2021, vigente entre abril de 2020 e março de 2021, apresentou mix voltado para o açúcar, devido à dinâmica de preços mais interessante para o adoçante no intervalo. Dada a entrada dos recursos do IPO em caixa, a relação dívida líquida/EBITDA reduziu de 1,4x no fechamento da safra 19/20 para 0,3x ao fim da última, ante covenant de 3,25x.
Destaques positivos
- Elevada produtividade agrícola.
- Verticalização dos negócios e diversificação de produtos.
- Maior exportadora de açúcar orgânico do mundo.
Pontos de atenção
- Exposta à volatilidade de preços e de mercado de açúcar e etanol.
- Suscetível a condições climáticas e quebras de safra.
- Localização das plantas, mitigada pelo canavial 100% irrigado.
Quem é a Jalles Machado?
Histórico
Foi instituída na cidade de Goianésia (GO) como Destilaria Goianésia Álcool em 1980, fazendo o processamento da cana e fabricação de etanol a partir da matéria-prima fornecida pelos fazendeiros da região. Os fazendeiros eram organizados na Cooperativa dos Produtores de Cana de Goianésia Ltda (Cooperálcool).
Ambas as empresas foram fundadas sob a liderança do empresário e ex-governador Otávio Lage, na esteira do Programa Nacional do Álcool, criado pelo Governo Federal em resposta à Crise do Petróleo da década de 1970.
Por volta de 1990, a Cooperálcool vendeu seu canavial para a Goianésia Álcool, que passou a ser responsável por todos os processos de sua atividade econômica (parte agrícola e industrial).
Em 1993, a Goianésia Álcool entrou em uma nova fase, com o início da produção de açúcar cristal e a alteração de sua razão social para Jalles Machado, homenagem ao pai de Otávio Lage.
Foi a primeira empresa em Goiás na cogeração de energia do bagaço da cana em 2000, com a implantação de central elétrica com capacidade instalada de 30 MW. Também foi a primeira empresa do setor a efetivar venda de Créditos de Carbono, em 2001.
No mesmo ano, implantou fábrica de saneantes e iniciou a produção de álcool hospitalar, álcool para limpeza doméstica e álcool em gel. Começou a produzir açúcar orgânico, hoje um dos maiores diferencias da empresa, em 2003.
Em 2011, inaugurou sua segunda unidade produtora, batizada de Otávio Lage, também localizada em Goianésia.
A Jalles Machado realizou sua oferta inicial de ações (IPO, do inglês Initial Public Offering) na B3 em fevereiro de 2021. A operação movimentou R$ 741,5 milhões, dos quais R$ 594 milhões foram destinados ao caixa da empresa e R$ 147,5 milhões se referiram à participação de acionistas.
Atuação
A Jalles Machado é um grupo sucroenergético brasileiro, atuante na compra, cultivo, colheita e processamento de cana-de-açúcar. A empresa se destaca pelo uso intensivo da mecanização, irrigação e variedades próprias para as condições climáticas da região, canavial 100% próprio, e, além de açúcar e etanol, produção de outros produtos de maior valor agregado.
Do lado de açúcar, produz as variantes VHP (açúcar bruto), branco e orgânico, os dois últimos com maior margem se comparados ao açúcar VHP. A Jalles é a segunda maior produtora de açúcar orgânico do mundo e a maior exportadora global do produto.
O Açúcar VHP (Very High Polarization) é um açúcar menos úmido, utilizado como matéria-prima para outros processos, como a produção do açúcar branco.
O Açúcar Branco (ou Açúcar Refinado) é o adoçante que passou pelo processo de refinamento por meio da adição de produtos químicos.
O Açúcar Orgânico é produzido de acordo com o conceito de sustentabilidade ambiental, desde o preparo do solo até a fabricação do produto. A cana-de-açúcar utilizada em sua produção é cultivada sem adubos, fertilizantes químicos e agrotóxicos.
Em etanol, produz etanol anidro, hidratado e orgânico, além de produtos de limpeza, álcool em gel e álcool hospitalar.
Também possui uma sólida vertical de cogeração de energia, realizada em parceria com a Albioma Participações do Brasil, empresa de origem francesa atuante na cogeração de energia elétrica a partir da biomassa de cana-de-açúcar.
Segundo estimativas da XP para 2021, os produtos não commoditizados já representam cerca de 35% da receita da empresa, o que garante maior diversificação de resultados ante seus pares no setor, o que é importante porque ajuda a mitigar a volatilidade de resultados financeiros típica do setor de commodities agrícolas.
Presença
Suas duas unidades produtoras são localizadas no município de Goianésia (GO):
Unidade Jalles Machado: conta com capacidade de moagem de 3,0 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por safra e capacidade de estocagem de 65,6 mil m³ de etanol e 2,2 milhões de sacas de 50 kg de açúcar. Além disso, possui capacidade de cogeração de energia elétrica de 65 MW, por meio da Albioma Esplanada Energia, na qual a Jalles possui participação acionária de 40%.
Unidade Otávio Lage: conta com capacidade de moagem de 2,3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por safra, capacidade de estocagem de 77,0 mil m³ de etanol e 850 mil sacas de 50 kg de açúcar. Além disso, possui capacidade de cogeração de energia elétrica de 48 MW, por meio da Albioma Codora Energia, na qual a Jalles possui participação acionária de 35%.
Fonte: Jalles Machado. Elaboração: XP.
Principais fatores do crédito
Para melhor entendimento, esclarecemos que a safra 2020/2021 na região Centro-Sul do Brasil abrange o período de colheita, entre abril e dezembro de 2020, e a entressafra, entre janeiro e março de 2021. Suas variações também se aplicam (ex: 2019/2020 seria o intervalo de abril de 2019 a março de 2020).
Fonte: Jalles Machado. Elaboração: XP.
Cenário atual
Safra 2020/21
A Safra 2020/2021 do setor sucroalcooleiro foi marcada por choques de oferta e de demanda, inicialmente ocasionados pela guerra de preços de petróleo entre Rússia e Arábia Saudita, mas depois, ditados pela pandemia da covid-19 e seus desdobramentos.
Em um primeiro momento da pandemia, as cotações do açúcar e etanol foram impactadas. Contudo, houve também desvalorização do real frente ao dólar, e, como consequência, a remuneração do açúcar exportado foi maior.
A partir do relaxamento das medidas de distanciamento social, observado com maior intensidade em junho de 2020, os preços dos produtos começaram a se recuperar, beneficiando o açúcar e o etanol no mercado local. Ao fim da safra, em março de 2021, ambos eram negociados a preços favoráveis, fato raramente observado nos últimos anos.
Do lado operacional, as usinas do Centro-Sul apresentaram ganho médio de produtividade da cana de 3,1% no exercício, em virtude das chuvas acima da média no período de entressafra, e crescimento de 8,0% na quantidade de Açúcar Total Recuperável (ATR) produzido por hectare na mesma temporada, dada a estiagem no momento da colheita, já que a cana retém mais açúcar nessas condições. Em razão do avanço dos preços do açúcar, que cresceram mais do que os de etanol, as usinas adotaram um mix mais voltado para a produção do adoçante.
ATR é a sigla para Açúcar Total Recuperável, ou seja, a quantidade de açúcar (em quilogramas) que de fato sai da cana colhida (em toneladas). Nessa conta, por exemplo, é excluído o bagaço da cana, que pode ser reutilizado de outras formas.
Safra 2021/22
Na Safra 2021/2022, a manutenção do clima seco foi responsável pelo atraso no início da moagem. Além disso, a redução da área plantada em função da migração de fornecedores para outras commodities de rentabilidade maior no momento, como milho e soja, o envelhecimento do canavial em razão da diminuição do plantio na safra passada, e a manutenção das condições meteorológicas desfavoráveis, também deverão contribuir para a redução da oferta de cana nesta temporada.
A rentabilidade do açúcar deverá permanecer mais atraente do que a do etanol na safra atual. Contudo, sua produção deverá ser menor do que no último exercício, em função do menor ATR da safra e maior demanda de combustível, com o relaxamento das medidas de distanciamento social.
Destaques operacionais
A empresa moeu 5,3 mil toneladas de cana na safra 2020/21, volume 3,6% superior ao apurado na última temporada, sendo um recorde para a companhia. Apesar das condições climáticas adversas observadas durante a safra, os investimentos realizados no manejo permitiram que a produtividade média permanecesse praticamente estável em relação ao exercício anterior em 95,6 ton/ha, ante 96,0 ton/ha no exercício anterior.
Enquanto isso, o nível de ATR encerrou a safra em 137,7 kg/ton, retração de 3,9% em relação ao exercício anterior. Sendo assim, o ATR produzido na temporada foi de 729 mil toneladas, relativamente estável em relação ao último exercício.
Assim como as outras usinas, a Jalles direcionou maior parcela do ATR da safra para a produção de açúcar, de 38,9% na safra 2019/2020 para 46,9%, visando captar a melhor dinâmica de preços. Sendo assim, foram produzidas 313 mil toneladas de açúcar (branco, orgânico e VHP), volume 21,0% superior à produção do último exercício.
Nota-se que o preço médio do açúcar da companhia é superior a seus pares do setor, dada a comercialização de açúcar empacotado e açúcar orgânico, que possuem margem significativamente superior ao VHP.
A parcela de ATR destinada à produção de etanol na safra foi de 53,1%, ante 61,1% na última temporada. A companhia produziu 236,6 mil m³ de etanol (hidratado, orgânico e anidro), valor 13,2% inferior na mesma janela.
Também se destaca o crescimento de 76,2% da produção de saneantes, como álcool em gel e álcool 70%, em razão da maior adoção de medidas de higienização pela população em resposta à pandemia da covid-19.
Destaques financeiros
A métrica de Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization (EBITDA) é um indicativo da geração de caixa operacional da empresa, sem levar em consideração os efeitos de receitas e despesas financeiras, impostos, depreciação e amortização. Apesar de não ser uma métrica auditada ou enquadrada nos padrões contábeis, é amplamente utilizada para análise de empresas. O EBITDA em relação ao endividamento líquido é uma das principais métricas utilizadas na análise de crédito.
Receita líquida e EBITDA
A receita líquida na safra 20/21 totalizou R$ 1,1 bilhão, crescimento de 22,2% ante a última safra. O crescimento é decorrente dos maiores volumes e preços de venda, assim como as maiores exportações somadas ao efeito positivo da variação cambial.
Como consequência, o EBITDA ajustado atingiu R$ 709,9 milhões no mesmo período, 16,4% superior ao apurado na última safra. Por outro lado, a margem EBITDA recuou 3,3 pontos percentuais para 65,4%, em razão do aumento das despesas com vendas, dado o maior volume de exportação.
Endividamento e alavancagem
A empresa apresentou dívida líquida de R$ 198,3 milhões no último mês de março, redução de R$ 651,9 milhões frente ao saldo da safra anterior, explicado pela entrada dos recursos do IPO e maior geração de caixa no intervalo. Como consequência, a relação dívida líquida/EBITDA reduziu de 1,4x para 0,3x no mesmo período, notavelmente inferior ao covenant de alavancagem de 3,25x.
Na frente de liquidez, a Jalles também conta com posição extremamente confortável: seu saldo em caixa de R$ 1,2 bilhão é suficiente para o cumprimento das obrigações financeiras até o fim da safra 2023/24. No entanto, vale notar que parte dos recursos do IPO será utilizada para uma aquisição para aumento da capacidade de moagem, o que reduzirá o caixa disponível para pagamento de dívidas e consequentemente elevará a alavancagem temporariamente. Mesmo assim, consideramos que a empresa ainda teria espaço para utilização de parte do caixa para pagamento dos vencimentos de dívidas das safras seguintes.
Práticas ambientais, sociais e de governança (ESG)
Em geral, a indústria de Açúcar e Etanol (S&E, na sigla em inglês) é um setor sensível na perspectiva ESG. Em nossa visão, o pilar Ambiental (E) é o fator mais importante na análise, embora o de Governança (G) e Social (S) não estejam distantes.
Em relação à Jalles, apesar de a empresa fazer parte de um setor muito sensível em termos do pilar E, vemos a companhia bastante comprometida com a agenda ESG, dado os diversos programas da empresa que visam minimizar os impactos adversos de suas operações de cana-de-açúcar na biodiversidade, como o mapeamento do uso do solo de sua propriedade e a área de preservação permanente (APPs), o monitoramento da flora e da fauna, as emissões de gases do efeito estufa (GEEs) e o uso da água.
Na frente S, a Jalles possui programas positivos, com destaque para as mais de 14 ações sociais com comunidades locais em 2019.
No pilar G, destacamos a boa governança da Jalles, porém vemos espaço para melhorias tanto na independência como na diversidade no Conselho de Administração da empresa.
Para mais informações, consulte Radar ESG | Jalles (JALL3) e visão geral sobre investimentos ESG.
Pontos de atenção
Exposta à volatilidade de preços e de mercado de açúcar e etanol
Os produtos comercializados pela Jalles Machado (açúcar e etanol) estão sujeitos à variação de preços que pode afetar o desempenho financeiro da empresa. Ambos estão expostos às oscilações naturais de preço por dinâmica de oferta e demanda.
No caso do açúcar, os valores de referência no mercado local também são afetados pelos preços em dólar praticados no exterior, por tratar-se de uma commodity. Quanto ao mercado de etanol, sua cotação é influenciada pela dinâmica de preços da gasolina, dado que são produtos substitutos.
Visando reduzir a volatilidade, são executadas estratégias de hedge cambial, de açúcar e etanol, que podem ter efeitos adversos nos resultados.
Suscetível a condições climáticas e quebras de safra
A região Centro-Sul do Brasil atravessa períodos de estiagem com uma certa recorrência, o que prejudica a agropecuária na região como um todo. Já que a cana demanda alta disponibilidade de água para seu desenvolvimento, tais períodos de seca podem ocasionar a morte de lavouras, culminando na quebra de safra.
Durante a Safra 2018/19, por exemplo, a região de Ribeirão Preto sofreu quebra de safra de cerca de 20% da produção decorrente de estiagem.
Para a Safra 2021/22, a estiagem deverá ser constante, ao contrário da anterior, que apresentou bons índices de precipitação no período de entressafra. Como a estiagem está atingindo várias fases de crescimento da cana, a produtividade das lavouras deverá ser reduzida. Ainda no âmbito de condições meteorológicas, as atuais geadas tendem a reduzir a qualidade da cana, agregar dificuldades no manejo da colheita, e criar desafios ainda maiores para 2022.
Ainda não é possível medir o tamanho do real impacto das condições metereológicas adversas sobre as lavouras, contexto que deverá ser monitorado ao longo dos meses.
Localização das plantas
As plantas da Jalles Machado são localizadas no estado de Goiás, que, apesar de representar o segundo maior produtor de cana-de-açúcar nacional, ainda compete em desvantagem com o estado de São Paulo, que é o maior produtor brasileiro.
Primeiramente, nota-se que as plantações paulistas têm em geral maior produtividade por hectare, devido à qualidade do solo, das condições climáticas mais adequadas para o plantio, e do investimento em pesquisas, realizadas por institutos públicos e privados, para garantir melhores condições de plantio.
Além disso, a proximidade com Paulínia (SP), região que concentra as principais distribuidoras de combustíveis da região, assim como do Porto de Santos (SP), maior terminal de exportação de açúcares de cana no país ou Porto de Paranaguá (PR), também são vantagens da localização de usinas em regiões próximas ao estado paulista.
Visando mitigar as desvantagens da sua localização, a Jalles Machado utiliza sistemas de irrigação para suas plantações, algo comum em regiões onde o regime de chuvas é deficitário, o que aumenta a qualidade da cana colhida. No caso da empresa, 100% de suas plantações contam com esses sistemas.
Outra medida adotada pela companhia para compensar o custo logístico mais elevado, dado que açúcar VHP e etanol são considerados produtos commoditizados, é a busca pela geração de maior valor agregado à produção, exemplificado por açúcar orgânico e saneantes.
Veja também
Fonte
Em atendimento à Resolução CVM nº20/2021, informamos que a XP Investimentos CCTVM S.A. e/ou suas afiliadas (“”XP Investimentos”” ou “”XP””) mantém relacionamento comercial com a sociedade Jalles Machado, inclusive prestando serviços de assessoria com interesses financeiros e comerciais relevantes. Assim, o leitor deve ter ciência de tal informação e fazer sua própria análise e julgamento sobre eventual existência de conflito de interesses ou sobre a imparcialidade deste relatório. Cabe ressaltar que, opiniões emitidas anteriormente sobre a sociedade não estão abarcadas pelo posicionamento vigente. A cobertura da companhia emissora está suspensa por ora, mas o que foi publicado até então não perde sua validade ou eficácia. A XP Investimentos, expressamente, se limita e reserva o direito de recursar-se a atender qualquer solicitação baseada no conteúdo de informações especulativas sobre o relacionamento com a referida sociedade.